A POESIA DE GUITA PIVA

Rodrigo Petronio

As qualidades da poesia de Guita Piva neste Versos que me habitam podem ser ressaltadas sob diversos aspectos, a começar pela divisão. Em seu excelente prefácio, Sérgio Vicente Motta, autor também das ilustrações, distingue os núcleos de cada parte: a primeira (dialética), a segunda (existencial), a terceira (matricial e feminina), a quarta (lúdica) e a quinta (reflexiva e social). E chama a atenção para o domínio poético em cada uma delas. Essa lucidez no trato com a linguagem é essencial para compreendermos esta poesia.

Este é um livro que capta os ritmos do pensamento. O peso e o pesar de cada sílaba. Um livro de sons e de gestos, de imagens e de interditos. Sentidos postergados e intervalos entre estrofes, versos, palavras. Palavras estas que sulcam as entranhas do real. E este também é um livro de simetrias e de sons sibilinos que adejam em nossos ouvidos. Convidam-nos. Aguardam que aceitemos o jogo que nos propõem. Uma oscilação entre a euforia e a disforia, entre luzes e sombras.

Essa duplicidade permeia todas as partes. Esse chiaroscuro emerge da anatomia de cada poema. E, assim, adentramos a microscopia pendular dos paralelismos e dos hemistíquios. Atravessamos realidades distintas. Habitamos possibilidades distantes. Em todas essas instâncias, a escrita-navalha de Guita escarafuncha o corpo de cada substantivo, adjetivo, verbo. Transforma-nos em seus versos. Viramos os seus avessos.

Há também a metalinguagem. O poema se investiga a si mesmo e a sua condição. A metonímia das partes-palavras almeja ser o todo da poeta. Nesse hiato, surge outra linha difusa: a divisão do eu. Guita é todos e ninguém. Aquela que escreve e é escrita. Anônima e mulher. Águia e menina. Trama a estrela. Impasse, desejo e erupção. Uma poesia feita de clareza e simplicidade, talhada na nitidez das imagens. Uma poesia urdida pelo esmeril do cuidado. E destinada a todos — sem exceção.